sábado, 19 de março de 2011

A culpa é das ratazanas

Por Marcos Caetano, especial para o ESPN.com.br

O fato de Muricy Ramalho ter abandonado o Fluminense em meio a uma fraca campanha na Copa Libertadores e após o fracasso do clube na semifinal da Taça Guanabara não seria algo capaz de merecer destaque. Um técnico que larga um clube não chega a render assunto para uma coluna esportiva. Isso acontece todo dia. Mas essa quebra de contrato tem algo muito inusitado e decepcionante: trata-se de uma quebra de contrato perpetrada por Muricy Ramalho, o mesmo técnico que, meses atrás, encheu o peito para gritar aos quatro ventos que recusou o convite da Seleção porque era um dos bastiões da ética no esporte, o homem que abriu mão de um emprego de sonhos para não envergonhar os seus filhos. Eu não sei se Muricy conseguiu convencer os próprios herdeiros sobre sua conduta no episódio - mas, ao restante da opinião pública, creio que não.

Estou muito tranquilo para escrever sobre o assunto, pois fui um dos que elogiou a conduta do treinador no episódio da recusa ao convite da CBF. Eu deveria ter dado mais atenção à informação de que Muricy, na verdade, disse sim a Ricardo Teixeira e, não fosse o Fluminense ter exigido o cumprimento do acordo, o final da história talvez fosse outro. Ainda assim, preferi acreditar na postura do treinador que se orgulhava de jamais ter contabilizado uma quebra de contrato na carreira. Pois bem, agora ele quebrou. Lamento informar isso aos filhos do técnico, mas, sim, Muricy Ramalho acaba de quebrar um contrato - e o fez de forma nada lisonjeira para a sua imagem. Insisto: não fez nada diferente do que um monte de treinadores no Brasil. Mas os outros treinadores não fizeram tanto marketing do valor da palavra.

Em seu favor, Muricy alega que o clube das Laranjeiras não tinha estrutura, que não possuía um centro de treinamento à altura de um campeão e que, pasmem, ratazanas passeavam saltitantes pelo vestiário tricolor. Tudo verdade. Mas isso seria motivo para um técnico abandonar seus comandados e a torcida que tanto o prestigiou, beirando a idolatria, na hora mais grave, com o clube respirando por aparelhos na competição com a qual sonha desde sempre? Um CT em falta e ratazanas em sobra poderiam justificar o fato de um treinador que sempre fez questão de ressaltar sua lealdade e coragem virar as costas para um presidente eleito há apenas dois meses - e que já vinha fazendo esforço sincero para viabilizar um novo local de treinamento? E justo na hora em que dentro de campo as coisas começaram a ir mal?

Pelo que todos comentam, as ratazanas foram dar boas-vindas a Deco quando este voltou da Europa, há mais de seis meses. Por que Muricy não usou as ratazanas para forçar a ida para a Seleção? Terá sido porque seu time liderava com folga o Campeonato Brasileiro e ele era unanimidade? E por que partir tão de repente? Por que não esperar, já que pretende passar um mês descansando, ao menos o final da primeira fase da Libertadores? Será porque seu time faz uma campanha medíocre e ele errou muitas vezes ao escalá-lo? Em algum momento o treinador recordou ter tropeçado em todos os jogos decisivos diante de rivais fortes (os choques com Corinthians e Cruzeiro no segundo turno do Brasileirão, o clássico com o Botafogo, a decisão com o Boavista, os três jogos da Libertadores)? Ou a culpa disso também terá sido das ratazanas.

Ele bem que poderia conversar com seu amigo Parreira, que, campeão do mundo, aceitou treinar o Fluminense na terceira divisão. Um Fluminense que não tinha Fred, Deco, Emerson nem Conca. Que não tinha o escudo da CBF bordado na camisa, como legítimo campeão brasileiro. Naqueles duros tempos de terceira divisão, o clube tinha instalações ainda piores do que a atual. Sabem o que fez Parreira? Pagou do próprio bolso reformas no vestiário. Esse pequeno exemplo explica a diferença entre alguém realmente comprometido e alguém que se diz comprometido - mas só até surgirem as primeiras dificuldades. Uma pena. Porque, de fato, eu cheguei a achar que Muricy era diferente.

Saudações!!

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